Nota oficial de posicionamento público sobre o projeto de lei 1584/2025

Saúde mental e a deficiência visual

Primavera contrasta com epidemia de suicídios; Setembro Amarelo promove prevenção e conscientização, focando em grupos vulneráveis e apoio social.
Desenho de cabeça aberta saindo flores e ao centro ícone de pessoa com deficiência visual.

A primavera traz consigo a expectativa de cores, aromas, beleza e revigoramento de energias. Apesar deste conceito de melhor qualidade de vida ligado a mais exuberante das estações, nossa sociedade vem atravessando uma epidemia grave e recorrente com uma perda enorme de vidas. Atentos a isso, desde 2015, foi criada uma campanha O Setembro Amarelo, que se destina a prevenir e conscientizar a população sobre o suicídio. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), todos os anos são registrados mais de 800 mil casos desse problema. O número equivale a uma morte a cada 40 segundos. Na população jovem, de acordo com o S.U.S. (Ministério da Saúde/DATASUS/MS) a taxa de mortalidade junto a esse público, na faixa etária dos 15 aos 30 anos representa 11.433 mortes, sendo a maior causa de perda de indivíduos em sua fase mais produtiva.

Abordar esse tema, ainda é assunto muito delicado, envolvendo preconceito, formas de pensamento que temem prejudicar os envolvidos e os familiares que tentam superar o doloroso processo pelo qual passaram e muitos ainda o enfrentam.

Em estudos feitos sobre o suicídio, há a observação de que pode estar relacionado a diversos tipos de doenças, como a AIDS, esclerose múltipla, doença de Parkinson. Quanto as doenças de ordem psiquiátrica, vários autores citam a depressão, delírios, ansiedade, transtornos de personalidade, uso abusivo de substâncias como o álcool e outras psicoativas.

Pessoas com deficiência visual, intelectual, transtornos mentais e auditivos, também fazem parte do número de identificações entre os que tentaram tirar a própria vida.

No caso da deficiência visual, fatores como a estigmatização do indivíduo, caracterizando-o com limitações psicológicas, físicas e dificuldade na realização de tarefas, podem levar a pessoa ao distanciamento social e isolamento, encobrindo assim todo seu potencial como profissional e participante de atividades agregadoras. Muitos desses fatores, podem implicar na saúde mental dessa pessoa, que se, não for bem acolhida, pode levá-la a uma ideação suicida. Sentir-se desvalidado, ou não fazendo parte de um grupo ou comunidade, reforçam o sentimento de não pertencimento, o que pode ocasionar em alguns casos uma consequência desastrosa.

Muitas comorbidades podem fazer parte do agravamento psicológico, mental e físico dessa pessoa. Doenças como a depressão, o stress, baixa autoestima, se não bem notadas por quem acompanha esse indivíduo, podem desencadear alguns comportamentos que precisam ser muito bem observados. A negligência com a higiene, o autocuidado físico, o autoabandono de sua saúde, o afastamento social.

No caso de uma observação mais apurada, na mudança de comportamento dessa pessoa, tenha ela a deficiência que tiver, é muito importante, como ferramenta de apoio conversar sobre o tema suicídio, tornando mais amplas as informações a respeito dos sinais de alerta para proteção dessa pessoa.

Abordar a dor e falar sobre ela, ainda é uma ferramenta de suporte e amparo. Promover palestras, contação de histórias, rodas de conversa, trocas e acolhimento que fortaleçam o indivíduo no despertar de sua resistência interior. Tratar com muito respeito a condição de sofrimento pela qual ela está passando. Geralmente, há na vida dessa pessoa desânimo, frustração, desencanto e muita raiva contida. Atentar para situações e falas como: ” a vida não vale a pena; não faço falta na vida de ninguém”; são colocações, que podem estar manifestando ideias de autodestruição.

Comportamentos como a mudança de humor, excesso de irritação, culpa, pensamentos de vingança, podem ser sintomas de que internamente essa pessoa se encontra extremamente desorientada sem saber que rumo dar a sua existência. Familiares, amigos, colegas de trabalho, podem ser agentes de auxílio nesses momentos. A presença da família respaldando e acolhendo, faz uma enorme diferença no sucesso do atendimento.

O acolhimento deve ser feito com delicadeza, buscando mais ouvir do que falar, evitando desmerecer o sentimento que a pessoa está expressando. Deixá-la fazer suas colocações, desabafar, nunca criticar ou dizer a ela que não há motivos para sentir-se assim. Determinadas palavras e atitudes, poder vir a reforçar a sensação de abandono desse indivíduo.

Apoiá-la oferecendo-se a acompanhá-la ao médico, pode transmitir segurança e a sensação de que ela é vista, de que não está só. Apenas médicos, psiquiatras, psicólogos ou neurologistas, podem fazer uma avaliação mais precisa do quadro. Em mitos casos, há a necessidade da introdução de medicamentos específicos para cada caso

Desde o nascimento a nossa história de vida inicia-se pelo olhar dos nossos pais ou daqueles que nos ajudam a crescer e amadurecer através dos cuidados. Isto requer amor e cuidado, atenção, paciência e limites. Isto feito, é a primeira base que temos para amar a vida e ser feliz.

Ter compromisso, sensibilidade, conhecimento, preocupação com outro ser humano e a crença de que a vida é um aprendizado que vale a pena – são os principais recursos que os profissionais de saúde têm; apoiados nisso eles podem ajudar a prevenir o suicídio.

A avaliação para pessoas com comportamento suicida deverá, ser realizada por um profissional da saúde experiente nesta questão, pode ser feita em níveis ambulatoriais e hospitalares. A relação de confiança é fundamental entre o paciente, a família e os profissionais envolvidos. De igual importância é o apoio familiar em relação a motivação e valorização. Quanto ao tratamento, é realizado com medicamentos (antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos) e controle, pois estes fármacos normalmente fazem efeitos em torno de duas semanas, e consultas regulares com psiquiatra e psicoterapeuta que complementam o tratamento.

A Laramara sempre está atenta as questões biopsicossocial dos seus atendidos e dos seus familiares. Desde 1996 os assistentes sociais e os psicólogos da Laramara através do atendimento dos usuários, organizados em grupos denominados grupo psicossocial, são atendidos com demandas das mais diversas e acolhidos com garantia de plena de respeitosa escuta. Os casos específicos que apresentarem atenuantes importantes, são encaminhados para a Psicologia ou Psiquiatria dos recursos da comunidade.

Em relação à pessoa com deficiência, o parecer se relaciona com o preconceito e a intolerância. Esse comportamento de segregação da sociedade na relação com as pessoas com deficiência pode ser caracterizado como uma manifestação do capacitismo. O capacitismo consiste na desvalorização e desqualificação das pessoas com deficiência com base no preconceito em relação à sua capacidade corporal e/ou cognitiva.

A prevenção ao suicídio associado à vulnerabilidade material acontece pelas razões já mencionadas acima e muitas outras. A principal forma de prevenção se constitui através do fortalecimento das políticas públicas de garantias de direitos, como o da saúde, educação, assistência social, moradia, renda e segurança.

Finalizando cabe reforçar que essa campanha tão importante e necessária em nossa sociedade, deve ocorrer todos os dias do ano. Olhar as necessidades apresentadas por pessoas que atravessam deficiências mentais, físicas e emocionais, podem auxiliar na inclusão do indivíduo, permitindo que o socorro chegue antes da ação final. A prevenção sempre é muito mais eficaz do que esperar que quadros como esses se agravem.

O apoio a essa proposta do setembro Amarelo, por parte da sociedade, certamente fortalecerá quem estiver passando por essa situação, e quem sabe, conseguiremos diminuir esse doloroso ranking de perdas e sofrimento.

Que possamos ter sempre um olhar atento pela vida. Tantos Seres Humanos cruzam o nosso caminho no dia a dia, utilizemos o olhar atento, para ajudar e até mesmo reconhecer nossa incapacidade de ajuda, mas evitemos abandonar nosso semelhante com uma fala como: “não tenho nada com isto, não posso fazer nada sobre o caso”. Não nos esqueçamos de que a prática da humanidade é um exercício. Uma vida vale muito e muitas vezes o que essas pessoas necessitam é serem ouvidas, ou, de um braço amigo para as acolher e amparar. Lembremo-nos de Sermos Humanos!

Texto elaborado por:

Vera A. Salgueiro Pereira – CRESS 8212

Olga Maria Marques Di Dio – CRP 06/124785

Bibliografia:

BATISTELLA, C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In. Fonseca, Angelica Ferreira, Corbo, Ana Maria D’Andrea. O território e o processo de saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, FIOCRUZ, 2007

BAUMAN, Z. Modernidade liquida- Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2001

DURKHEIM, É. O suicídio, estudo de sociologia. Tradução Monica Statel. São Paulo: Martins Fontes, 2000

FUKUMITSU, K. O. (2013). Suicídio e Luto: história de filhos sobreviventes. São Paulo: Digital Publish & Print.

FUKUMITSU, K. O. (2016). A vida não é do jeito que a gente quer. São Paulo: Editora Digital Publish & Print.

YUNNES MA, Psicologia Positiva e Resiliência: o foco no indivíduo e na família. Psicologia em Estudo 2003; 8(N. esp.):75-84.

LOUREIRO, Rodrigo Moura. Um possível olhar do comportamento suicida pelos profissionais da saúde. Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 16, n. 2, abr./jun. 2006.

NUNES, S.V. Atendimento de tentativas de suicídio em hospital geral. Jornal Bras Psiq. v.1, n.37, p. 39-41, 1988.

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Nota oficial de posicionamento público sobre o projeto de lei 1584/2025

A Laramara, Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual, vem a público manifestar-se contrariamente ao Projeto de Lei nº 1.584, de autoria do deputado federal Duarte Júnior, do PSB do Maranhão.

Embora seja apresentado como uma mera junção das leis já existentes em um único dispositivo jurídico, o projeto fere gravemente o princípio do não retrocesso, pois implica a rediscussão rasa e apressada de inúmeros direitos já conquistados pelas pessoas com deficiência, além de ser eivado de equívocos, tais como:

  • Pela Grave omissão quanto ao acesso e permanência a direitos assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a previdência especial para pessoas com deficiência;
  • Por fragilizar o direito de acesso ao trabalho para a pessoa com deficiência;
    Por retroceder no direito à comunicação acessível, como o uso de Libras, legendas, audiodescrição, entre outros recursos;
  • Por representar grave ameaça ao direito à educação inclusiva e à formação continuada dos educadores para todas as pessoas com deficiência, independentemente de suas especificidades;
  • Por desconsiderar todo o processo histórico e a importância da Lei Brasileira de Inclusão, construída ao longo de 15 anos de diálogo e ampla participação social;
  • Por desconsiderar o lema “Nada sobre nós sem nós”, ignorando o clamor contrário da maioria das pessoas com deficiência, de seus familiares e de especialistas em inclusão e acessibilidade que, inclusive, ficou nítido na própria Audiência Pública, realizada na última semana no Congresso Nacional.
  • Pelas pessoas com deficiência, familiares, movimentos e instituições que tanto lutaram por uma sociedade mais justa e inclusiva e pelos milhões de pessoas com deficiência que necessitam desses direitos, a Laramara rechaça essa proposta e apela ao bom senso dos excelentíssimos legisladores, pelo arquivamento imediato do Projeto 1584. Respeitem nossas conquistas, respeitem nossa história, respeitem nossa participação e opinião.